Saudações aventureiros de todas as partes!!
O administrador de nosso fórum, o companheiro de blog Alexandre, decidiu mestrar uma aventura em Arton, utilizando o sistema Tormenta RPG. Para fim foi uma boa, por dois motivos:
i) Vou ter que aprender D20 na marra, apesar de que agora ele não é mais o sistema mainstream;
ii) Vou retornar a me aventurar por Arton. Acho que parei de ir para lá faz uns cinco anos, e muita coisa mudou neste meio tempo.
Como estou por fora da ambientação resolvi criar um background genérico, que se encaixe em qualquer mundo, em qualquer lugar, em qualquer época. Meu personagem será um lenhador em uma vila medieval, e vou contar como ele entra na vida de aventuras. Em dez anos como RPGista será meu primeiro guerreiro, espero que ele sobreviva o bastante para ter mais histórias para contar.
***
Toc, toc, toc.
Toc, toc, toc, toc, toc.
– Acorde menino!!
Hector abre os olhos aliviados, o terror que havia passado era apenas um sonho.
Toc, toc, toc.
A docilidade com que sua mãe quase detruía a porta anunciava a sua sentença: menos um dia de vida, mais um dia embrenhado na floresta em meio a ursos, lobos, raposas e armadilhas de caçadores loucos. Mais um dia vendo a nobreza entrando na mesma floresta adentro para caçar estes mesmos animais, só que por diversão. Mais um dia os vendo duelar em cavalos puro sangue com lanças de cavalaria e armaduras finamente decoradas. Cheias de símbolo elas contam a história de suposta honra e glória dos antepassados, honra conquistado através do esforço de gente como ele, Hector o lenhador, que era obrigado a dar 10% de seu esforço a essa nobreza, supostamente protetora.
Enquanto recorda do tenebroso pesadelo, ele lava o rosto, molha o cabelo e se olha no espelho: quem é o homem que está ali do outro lado do espelho?
Hector passa pelos poucos cômodos da humilde casa e se detem diante da porta do quarto dos pais, lá está ele seu pai preso a cadeira do quarto, estático, nem vivo nem morto, apenas com aquela profunda respiração que denuncia alguma energia vital.
Se tivesse sido diferente aquele dia. Se não fosse ele, se não fosse essa vila, se não fossem ELES.
Avançando para os cômodos da frente, onde sua mãe cuida da única taberna da pequena vila, ele se despede dela, e caminha até a floresta. Hector nunca gostou da ideia de sua mãe tocar uma taberna, com certeza não era um trabalho para uma mulher. O marasmo de sua vila, e a possibilidade de ganhar alguns trocados a mais para poder pagar a taxa da milícia municipal o faziam mudar de ideia. Além do que, permitia que ela ficasse próxima de seu pai, que agora inválido necessitava de assistência integral.
Na pequena taberna os mesmos rostos de sempre: um bêbado depressivo que foi largado pela mulher, um ancião louco que se diz um antigo aventureiro que é um minerador aposentado, um ingênuo bardo que pensa conseguir alguns trocados tentando entreter a reduzida platéia.
Se aproximando dos limites da cidade, Hector desce de sua carroça e começa o humilhante ritual que tanto detesta. Largando o seu machado lenhador sobre a caroça ele fica parado ao lado da carroça onde começa a ser revistado. Um miliciano o revista então e diz as palavras de protocolo dessa situação: “Você abandona a vila de Hoffnung, assim está ciente que abandona a proteção da milícia municipal, daqui em diante tudo que acontecer é de sua inteira responsabilidade, está ciente também que mesmo sendo Hector, o lenhador, pagará uma taxa ao entrar novamente em nossa áurea cidade”.
Depois de se afastar do posto da milícia, Hector começa a se queixar como faz todos os dias. Hector é jovem, tem apenas 23 anos. Sempre viveu na pequena vila de Hoffnung desde o tempo em que a vila ainda não era dominada pela milícia. De força sobrehumana, Hector empunha o seu machado de lenhador com muito vigor, com poucos golpes ele derruba a primeira árvore.
Entre um golpe e outro, os lamentos de sua vida desgraçada apareciam na sua mente, recordava da infância onde esculpia exércitos de argila com as placas que seu pai trazia para casa no fim do dia. Recordava de quando a taberna era nova, feliz e movimentada. Recordava quando seu pai ainda era um homem válido, e a vila mais igual.
Mentalizando o brasão da milícia, os golpes de machado adquiriam maior violência. Derrubada mais algumas árvores era hora de guardar o machado de lenhador e sacar suas machadinhas para cortar os galhos afim de fazer lenha. Erguendo uma a uma, em poucos instantes a carroça estava cheia de toras e galhos.
Ciente do protocolo de retorno, ele começa a procurar alguma moeda na sua sacola. Parado diante do posto da milícia ele mostra os bolsos vazios. “Não há problema Hector, o lenhador. Deixe 10% de seu labor, e pagarás pelo benefício de viver em nossa vila”.
Obediente como um cordeiro, ele retira algumas toras e deposita no armazén da milícia. Os dizeres da placa no fundo do armazén o despertavam para a realidade. “Dízimo a milícia: seu esforço em benefício de todos”.
Cansado de mais um dia de trabalho, Hector volta para casa, banha-se e tenta entender o sonho desta noite. No sonho Hector entra novamente em seu lar de infância. Lá está ele, pequeno, ruivo, mas já forte e curioso. Trabalhando com dificuldade com o canivete, ele esculpia as mesmas figuras que esculpia quando criança, mas havia uma diferença: no sonho as figuras ganhavam vida, enfileiravam-se como um exército, e diziam estar sob o comando de Hector. Maravilhado, o pequeno Hector tenta dar ordens aos soldadinhos de argila, mas ninguém lhe dá ouvidos. O que será que isso quer dizer?
Atento que não irá muito longe em sua interpretação do sonho, ele decide ajudar sua mãe, indo até a frente da taberna. Ele esconde uma machadinha na bota como sempre faz, e vai até a frente da casa. Com o cair da noite mais gente foi procurar a taberna. Havia alguns jovens da nobreza e alguns figuras novos. Em um canto da taberna um velho anão começa a falar maravilhas, já embriagado de hidromel. Indo em direção para atendê-lo, Hector lhe pergunta:
-“Posso ajudá-lo com algo?”
-“Sim, preciso de mais um copo cheio em instantes, meu jovem.”
Depois de servir o velho anão, Hector percebe que ele não para olhar para seus pés, o que deixa o jovem um pouco constrangido.
-“Quando eu tinha a sua idade partíamos cabeças de goblins com machados de pior qualidade do que este seu, meu jovem. O que faz um rapaz forte e bem armado sendo garçom numa taberna aqui no meio do nada? Existem monstros a matar, injustiças a eliminar, raparigas para se apaixonar, lugares para conhecer…”
-“Um pai inválido para cuidar, uma mãe sozinha que cuida de uma taberna para proteger, e uma milícia estúpida para sustentar.” Interrompeu secamente o jovem lenhador.
O anão, compreendo a sina de seu ouvinte, baixa a cabeça em respeito por uns instantes, e após mais um gole se mostra novamente simpático.
-“Eu sou Thuerdil, um antigo mercenário quando era jovem, hoje apenas um velho joaleiro desacreditado pelo mundo. Meu destino é a cordilheira de Montanhas, por isso resolvi parar aqui esta noite. Tenho uns parentes para visitar e alguns negócios para fechar”.
Retribuindo a simpatia e generosidade do velho mercenário, Hector se apresenta: -“Eu sou Hector, sou um lenhador, e é só. Durante o dia dou um duro danado na floresta, e a noite ajudo minha mãe aqui na taberna, tem sido assim desde que meu pai ficou inválido. Como temos altas taxas a pagar nesta vila , esse é o nosso jeito de viver.”
-“Hmm, compreendo, mas diga-me: você passa o dia inteiro na floresta cortando árvores, não te sobra nenhum tempo?”
-“Bem, como sou relativamente forte, eu realmente termino meu serviço antes, mas fico na floresta explorando-a ou treinando o arremesso de machado.”
-“Olhe garoto…” diz o anão se levantando após deixar o pagamento em cima da mesa “… vou ser franco com você, o meu negócio consistirá em trazer gemas e pedras preciosas das montanhas e ter uma joalheria nesta vila. Quando mercenário meu instrumento de batalha era um machado de batalha, acho que vai servir para um rapaz forte como você.”
-“Mas…eu não posso pagar tamanha gentileza senhor Thuerdil.”
-“Não se preocupe, se eu quisesse dinheiro venderia a arma na loja de armas, não acha? O que eu quero é um pouco de diversão, poder reviver os velhos tempos de Thuerdil, o fatiador de goblins. Não vou te dar apenas o machado, vou te ensinar como se faz para usá-lo em combate, não para cortar árvores somente. Vou até a estalagem agora. Dentro de uma semana estarei aqui de volta, e iniciaremos nosso treinamento”.
Hector mal podia acreditar. Além de ter um cliente novo na taberna, ele finalmente iria poder sair daquela vila bizarra, e do raio de ação daquela milícia corrupta.
***
Nunca uma semana se passou tão rápido. Tão rápido e intenso quanto os golpes de machado no velho carvalho, era a ansiedade do jovem Hector em reencontrar seu futuro mestre Thuerdil. Se antes ele finalizava o trabalho antes da hora, agora então ele passava quase a tarde inteira treinando com suas machadinhas e seu velho machado de lenhador.
As revistas da milícia não atormentavam mais, um sorriso de canto de boca emitia Hector, afinal podiam eles fazerem o que quiserem, dentro de algum tempo eles iriam ver quem é que realmente mantinha a ordem em Hoffnung.
O ansiado dia chegou. No fim do dia na taberna ele esperava Thuerdil chegar. Com o machado de combate cedido por ele, e um pequeno escudo feito com uma já bamba banqueta da taberna, ele começou seu treinamento junto com Thuerdil. Nunca suas tardes foram tão bem aproveitadas na floresta, quando ele poderia praticar sozinho o que Thuerdil lhe ensinava nas horas de folga. Nunca.
***
Fogo e destruição, cinzas e destroços, morte e violência. Casas feito pó, animais roubados ou mortos, toda uma população dizimada.
Era uma manhã como outra qualquer. Hector saiu da cidade com sua carroça, foi até as montanhas e começou a trabalhar. Cumprida a sua etapa no início da tarde, ele geralmente começava seu treinamento em meio a uma clareira aberta por ele memso. Naquele dia porém resolveu dar um cochilo após o almoço em sua carroça.
Acordado pela súbita passagem de um bisão em disparada, Hector pensa consigo que péssimo lugar que a nobreza local decidiu para ir caçar bisões, mas espere bisões andam em pradarias, não em montanhas. Saindo rapidamente da carroça, e indo em direção a clareira, ele avista a distância a sua vila, a pequena Hoffnung, mas desta vez em chamas, e com gritos diversos.
Saindo em disparada com sua carroça, Hector chega a uma visão aterradora, todos os que conheceu um dia estavam mortos, queimados, esquartejados e toda sorte de modalidade de mortes possíveis estavam ali em Hoffnung. A joalheria recém-aberta por Thuerdil fora saqueada, e seu mestre partido em várias partes ainda espalhadas pelo chão, a mão do velho anão ainda segurava uma espada curta, enquanto as demais partes estavam por toda a sorte de lugares. As vitrines, quebradas e destruídas. O legado de um velho guerreiro anão, desfeito em tantas partes quanto seu pequeno e velho corpo.
Tamanho era o espanto e o horror de Hector que ele demorou a lembrar de sua família, onde a visão não era tão amigável. Chegando na taberna da cidade, encontrou sua mãe e todos os habituais frequentadores da taberna mortos também, e o chão da taberna pintado de sangue inocente.
***
Lágrimas, dor, sangue, cheiro de carne queimada. Tudo isso já não chocava mais Hector. Tudo o que um dia ele amou havia sido perdido, todos que o amavam também. Rapidamente, como uma subida na montanha. Naquele dia Hector, o lenhador também morrera neste dia. Hector, o vingador nascera neste dia.
Nem mesmo a milícia, que havia negado a sua presença por ser apenas um lenhador filho de um oleiro inválido, resistiu a barbárie do massacre goblinóide em Hoffnung. Hector agora quer vingar os responsáveis pelo extermínio de sua vila: a burocracia inútil da milícia ineficiente, e os malditos goblinóides .
O machado de lenhador com o qual antes tirava seu sustento agora é substituído pelo machado de combate com o qual agora quer fazer sua justiça. Hector não sabe ainda o que enfrentará pela frente em sua sede por justiça, mas leva consigo o horror da imagem de seu pai, já inválido, esquartejado, e do sonho com bonecos de argila que não lhe saem da mente.
Isso é que eu chamo de background! Perfeito, muito bem escrito e nos dá uma clara imagem do personagem, delineando suas motivações e nos deixando curiosos a respeito de seus sonhos. O Clérigo aprova!
Ótimo background!
Consigo imaginar ele infeliz e sua revolta ao ver o banho de sangue. Pensarei duas vezes antes de por um goblin na aventura, ou capaz de você sair destroçando tudo!
Começaremos a jogar na segunda feira.
[…] Para quem tem preguiça, no próximo post irei transcrever o trecho inicial da aventura que estou mestrando, em Arton, usando o Tormenta RPG. Essa primeira parte mostrará como uni os dois personagens em um local. Um deles, Hector, já teve seu background (por sinal, muito bom) postado aqui no blog. Só clicar aqui para ler. […]